É uma bolha amarela sem cérebro, mas alguns investigadores acreditam que um organismo curioso conhecido como bolor de lodo pode ajudar-nos a construir cidades mais resilientes.
Os humanos constroem cidades há 6.000 anos, mas o bolor de lodo existe há 600 milhões. A equipa por trás de uma nova startup chamada Mireta quer traduzir os superpoderes biológicos deste organismo em algoritmos que possam melhorar tempos de deslocação, aliviar engarrafamentos e minimizar interrupções relacionadas com o clima em cidades por todo o mundo.
O algoritmo da Mireta imita a forma como o bolor de lodo distribui recursos de maneira eficiente através de redes ramificadas. Os fundadores da startup acreditam que esta abordagem pode ajudar a ligar estações de metro, desenhar ciclovias ou optimizar linhas de montagem industriais. Dizem que o seu software consegue ter em conta zonas inundáveis, padrões de tráfego, restrições orçamentais e muito mais.
«É bastante racional pensar que alguns sistemas ou organismos [naturais] já encontraram soluções inteligentes para problemas que também enfrentamos», afirma Raphael Kay, cofundador e responsável de design da Mireta, com formação em arquitetura e engenharia mecânica, e actualmente doutorando em ciência dos materiais e engenharia mecânica na Universidade de Harvard.
À medida que a urbanização avança, com cerca de 60% da população mundial a viver em metrópoles até 2030, as cidades precisam de assegurar serviços críticos enquanto lidam com o crescimento populacional, infraestruturas envelhecidas e fenómenos climáticos extremos provocados pelas alterações climáticas. Kay, que também estudou como criaturas marinhas microscópicas poderiam ajudar investigadores a desenhar edifícios com consumo energético zero, acredita que soluções comprovadas pelo tempo, encontradas na natureza, podem oferecer um caminho para sistemas urbanos mais adaptáveis.
Oficialmente conhecido como Physarum polycephalum, o bolor de lodo não é planta, animal nem fungo, mas um organismo unicelular mais antigo do que os dinossauros. Ao procurar alimento, estende projeções semelhantes a tentáculos em várias direções, em simultâneo. Depois, reforça os percursos mais eficientes que o conduzem à comida, enquanto abandona rotas menos produtivas. Este processo cria redes otimizadas que equilibram eficiência e resiliência, uma característica muito desejada em sistemas de transporte e infraestruturas.
A capacidade do organismo para encontrar o caminho mais curto entre vários pontos, mantendo ao mesmo tempo ligações alternativas, tornou-o um “queridinho” entre investigadores que estudam o desenho de redes. O caso mais famoso ocorreu em 2010, quando investigadores da Universidade de Hokkaido, no Japão, divulgaram os resultados de uma experiência em que colocaram um aglomerado de bolor de lodo sobre um mapa detalhado do sistema ferroviário de Tóquio, assinalando as principais estações com flocos de aveia. No início, o organismo sem cérebro devorou o mapa inteiro. Dias depois, tinha-se retraído, deixando apenas os percursos mais eficientes. O resultado aproximava-se muito da rede ferroviária real de Tóquio.
Desde então, investigadores de todo o mundo têm usado o bolor de lodo para resolver labirintos e até para mapear a matéria escura que mantém o universo coeso. Especialistas no México, na Grã-Bretanha e na Península Ibérica já encarregaram o organismo de redesenhar as suas estradas, embora poucas destas experiências se tenham traduzido em melhorias no mundo real.
Historicamente, os investigadores que trabalhavam com este organismo imprimiam um mapa físico e colocavam o bolor de lodo por cima. Mas Kay acredita que a abordagem da Mireta, que replica a construção de caminhos do bolor de lodo sem recorrer a organismos reais, pode ajudar a resolver problemas mais complexos. O bolor de lodo é visível a olho nu, pelo que a equipa de Kay estudou, em laboratório, como estas massas se organizam, concentrando-se nos comportamentos essenciais que tornam estes organismos tão eficazes na criação de redes eficientes. Depois, traduziram esses comportamentos num conjunto de regras que deu origem a um algoritmo.
Alguns especialistas não estão convencidos. Segundo Geoff Boeing, professor associado do Departamento de Planeamento Urbano e Análise Espacial da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, este tipo de algoritmos não responde “às realidades confusas de entrar numa sala com um grupo de partes interessadas e co-criar uma visão para o futuro da sua comunidade”. Para ele, os desafios do planeamento urbano moderno não são apenas técnicos. “Não é que não saibamos como tornar redes de infraestrutura eficientes, resilientes e conectadas. É que é politicamente difícil fazer isso acontecer.”
Michael Batty, professor emérito do Centre for Advanced Spatial Analysis do University College London, considera o conceito mais promissor. “Há, certamente, potencial para exploração”, afirma, observando que os humanos, há muito, traçam paralelos entre sistemas biológicos e cidades. Há décadas que designers procuram inspiração na natureza, como sistemas de ventilação inspirados em cupinzeiros ou comboios de alta velocidade modelados a partir do bico do martim-pescador.
Tal como Boeing, Batty receia que algoritmos deste tipo reforcem o planeamento de cima para baixo, quando a maioria das cidades cresce de baixo para cima. Mas, para Kay, a beleza do algoritmo está precisamente na forma como imita um crescimento biológico distribuído: tal como o bolor de lodo, começa a partir de múltiplos pontos e liga-se de forma orgânica, em vez de seguir percursos pré-determinados.
Desde o lançamento, no início deste ano, a Mireta, sediada em Cambridge, Massachusetts, nos Estados Unidos, já trabalhou em cerca de cinco projetos. E o bolor de lodo é apenas o começo. A equipa também está a analisar algoritmos inspirados em formigas, que deixam trilhos químicos que se fortalecem com o uso e apresentam soluções descentralizadas para a otimização de redes. “A biologia já resolveu praticamente todos os problemas de rede que se possa imaginar”, diz Kay.