A Science Corporation, uma concorrente da Neuralink fundada pelo ex-presidente da empresa de interfaces cerebrais de Elon Musk, ultrapassou a rival depois de adquirir, a preço de saldo, um implante de visão que está numa fase avançada de testes.
O produto cria uma forma de “visão artificial” que permite que alguns doentes leiam textos e façam palavras cruzadas, de acordo com um relatório publicado no New England Journal of Medicine.
O implante é um chip microeletrónico colocado por baixo da retina. Usando sinais de uma câmara montada num par de óculos, emite pulsos elétricos que contornam as células fotorrecetoras danificadas pela degenerescência macular, a principal causa de perda de visão em pessoas mais velhas.
“O que chama a atenção é a magnitude do efeito”, diz José-Alain Sahel, especialista em visão da Universidade de Pittsburgh que liderou os testes do sistema, chamado PRIMA. “Há uma doente no Reino Unido que está a ler as páginas de um livro comum, o que é sem precedentes.”
Até ao ano passado, o dispositivo estava a ser desenvolvido pela Pixium Vision, uma startup francesa cofundada por Sahel, que entrou em falência depois de não conseguir angariar mais capital.
Foi então que a Science Corporation avançou para comprar os ativos da empresa por cerca de € 4 milhões (US$ 4,7 milhões), de acordo com registos judiciais.
“A Science conseguiu comprar por um preço muito baixo justamente quando o estudo estava a sair, por isso foi um bom momento para eles”, diz Sahel. “Conseguiram aceder rapidamente a uma tecnologia muito avançada, mais próxima do mercado, o que é bom para uma empresa ter.”
A Science foi fundada em 2021 por Max Hodak, o primeiro presidente da Neuralink, após a sua saída repentina da empresa. Desde a sua criação, a Science angariou cerca de US$ 290 milhões, de acordo com a base de dados de capital de risco Pitchbook, e utilizou o dinheiro para iniciar investigações exploratórias alargadas sobre interfaces cerebrais e novos tipos de tratamentos para a visão.
“A ambição aqui é construir uma grande empresa de tecnologia médica independente, que se possa equiparar a uma Apple, Samsung ou Alphabet”, disse Hodak numa entrevista realizada nos laboratórios da Science em Alameda, na Califórnia, em setembro. “O objetivo é mudar o mundo de maneiras importantes… mas precisamos de ganhar dinheiro para investir nestes programas.”
Ao adquirir o programa do implante PRIMA, a Science avançou efetivamente vários anos no desenvolvimento e nos testes. A empresa já pediu autorização para comercializar o chip ocular na Europa e está em negociações com os reguladores nos Estados Unidos.
Ao contrário do implante da Neuralink, que regista sinais cerebrais para que pessoas paralisadas possam usar os seus pensamentos para mover o cursor de um computador, o chip de retina envia informações para o cérebro para produzir visão. Como a retina é uma extensão do cérebro, o chip qualifica-se como um tipo de interface cérebro-computador.
O sistema atual produz cerca de 400 pontos de visão, o que permite aos utilizadores distinguir os contornos de palavras e objetos. Palanaker diz que um dispositivo de próxima geração terá cinco vezes mais “píxeis” e deverá permitir que as pessoas vejam mais: “O que descobrimos no ensaio clínico é que, mesmo estimulando píxeis individuais, os doentes percebem como algo contínuo. O doente diz: ‘Vejo uma linha’, ‘Vejo uma letra’.”
Palanker diz que será importante continuar a aperfeiçoar o sistema porque “a dimensão do mercado depende da qualidade da visão produzida”.
Quando a Pixium estava à beira da insolvência, conta Palanker, ele ajudou a procurar um comprador, reunindo-se com Hodak. “Foi uma liquidação, não uma celebração”, diz. “Mas, para mim, é um desfecho muito afortunado, porque significa que o produto está a avançar. E o preço de compra realmente não importa, porque é necessário um grande investimento para o levar ao mercado. Vai custar dinheiro.”
Durante uma visita à sede da Science, Hodak descreveu o esforço da empresa para redesenhar o sistema e o transformar em algo mais elegante e fácil de usar. No design original, além da câmara portátil, o doente tinha de carregar um controlador volumoso que contém uma bateria e um laser, bem como botões para aumentar e diminuir o zoom.
Mas a Science já criou um protótipo de uma versão em que esses componentes eletrónicos foram condensados em algo que se assemelha a um par de óculos de sol extragrandes.
“O implante é excelente, mas em breve teremos novos óculos para os doentes”, diz Hodak. “Isso vai melhorar substancialmente a capacidade que eles têm de o usar ao longo de todo o dia.”
Outras empresas também querem tratar a cegueira com interfaces cérebro-computador, mas algumas acreditam que poderá ser melhor enviar sinais diretamente para o cérebro. Este ano, a Neuralink tem promovido planos para o “Blindsight”, um projeto que pretende enviar sinais elétricos diretamente para o córtex visual, contornando completamente a retina. Essa abordagem ainda não foi testada em seres humanos.