O ministro da Ciência do Reino Unido apresentou um plano ambicioso: eliminar gradualmente os testes em animais.
Os testes de potenciais irritantes cutâneos em animais serão encerrados até ao final do próximo ano, de acordo com a estratégia divulgada. Até 2027, espera-se que os investigadores “terminem” os testes da potência do Botox em ratinhos. E os testes de medicamentos em cães e primatas não humanos serão reduzidos até 2030.
Outros países estão a seguir movimentos semelhantes. Em abril, a Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, anunciou um plano para substituir os testes em animais em terapias com anticorpos monoclonais por “modelos mais eficazes e relevantes para humanos”. Após um workshop em junho de 2024, a Comissão Europeia também começou a trabalhar num “roteiro” para eliminar gradualmente os testes em animais usados em avaliações de segurança de substâncias químicas.
Organizações de defesa do bem-estar animal fazem campanha por compromissos como estes há décadas. Mas a falta de alternativas dificultou o avanço. Os progressos na ciência médica e na biotecnologia estão a transformar este cenário.
Os animais são usados em investigação científica há milhares de anos. A experimentação com eles levou a descobertas fundamentais sobre o funcionamento do cérebro e do corpo. Como as autoridades reguladoras exigem que novos medicamentos sejam testados primeiro em animais de laboratório, este processo desempenhou um papel importante no desenvolvimento de fármacos e dispositivos tanto para humanos como para outros animais.
Hoje, países como o Reino Unido e os Estados Unidos regulam rigorosamente a investigação com animais, exigindo que os cientistas obtenham várias licenças e cumpram normas de alojamento e cuidados. Ainda assim, milhões de animais são utilizados todos os anos em estudos e ensaios. Muitos investigadores preferem não participar em testes que envolvem animais. E alguns questionam se esta prática continua a ser justificável, sobretudo tendo em conta que cerca de 95% dos tratamentos que parecem promissores em animais nunca chegam ao mercado.
Nas últimas décadas, assistimos a avanços expressivos em tecnologias que oferecem novas formas de modelar o corpo humano e testar os efeitos de potenciais terapias sem recorrer a ensaios em seres humanos ou noutros animais.
Tomemos como exemplo os chamados “órgãos-em-chip”. Investigadores têm vindo a criar versões em miniatura de órgãos humanos dentro de minúsculos compartimentos de plástico. Estes sistemas são concebidos para conter a mesma combinação de células que se encontraria num órgão plenamente desenvolvido e recebem um fluxo de nutrientes que os mantém vivos.
Hoje, várias equipas já criaram modelos de fígado, intestino, coração, rins e até de cérebro. E estes modelos já estão a ser utilizados em investigação. Chips cardíacos foram enviados para o espaço para observar como respondem à baixa gravidade. A FDA usou chips de pulmão para avaliar vacinas contra a covid-19. Chips intestinais estão a ser usados para estudar os efeitos da radiação.
Alguns investigadores estão mesmo a tentar ligar múltiplos chips para criar um “corpo-em-chip”, embora este esforço esteja em desenvolvimento há mais de uma década e, até agora, ninguém tenha conseguido concretizá-lo.
Na mesma linha, outros cientistas têm trabalhado na criação de versões-modelo de órgãos — incluindo embriões — em laboratório. Ao fazer crescer grupos de células em pequenas estruturas 3D, os investigadores podem estudar como os órgãos se desenvolvem e funcionam e testar medicamentos nessas estruturas, o que sugere que elas podem até ser personalizadas: se forem retiradas células de uma pessoa, deverá ser possível modelar órgãos específicos desse indivíduo. Alguns investigadores conseguiram mesmo criar organoides de fetos em desenvolvimento.
A estratégia do governo do Reino Unido também destaca o potencial da Inteligência Artificial. Muitos cientistas adotaram rapidamente a IA como ferramenta para os ajudar a interpretar vastos conjuntos de dados e identificar ligações entre genes, proteínas e doenças, por exemplo. Outros estão a utilizar IA para conceber novos medicamentos desde o zero.
Estes novos medicamentos poderão, potencialmente, ser testados em humanos virtuais. Não se trata de pessoas de carne e osso, mas de reconstruções digitais que vivem num computador. Engenheiros biomédicos já criaram gémeos digitais de órgãos. Em ensaios atualmente em curso, corações digitais estão a ser utilizados para orientar cirurgiões sobre como — e em que parte — devem operar corações reais.
Quando falei com Natalia Trayanova, a professora de engenharia biomédica responsável por este ensaio, ela explicou-me que o seu modelo poderia recomendar regiões específicas do tecido cardíaco a cauterizar como parte do tratamento da fibrilhação auricular. A ferramenta normalmente sugeriria duas ou três regiões, mas ocasionalmente recomendaria muitas mais. “Eles simplesmente têm de confiar em nós”, disse-me.
É pouco provável que consigamos eliminar completamente os testes em animais até 2030. O governo do Reino Unido reconhece que estes testes continuam a ser exigidos por muitos reguladores, incluindo a FDA, a Agência Europeia de Medicamentos e a Organização Mundial da Saúde. Embora as alternativas tenham avançado significativamente, nenhuma reproduz ainda de forma perfeita a maneira como um corpo vivo responderá a um tratamento.
Pelo menos por agora. Perante todo o progresso alcançado nos últimos anos, não é difícil imaginar um futuro sem testes em animais.