Como as tarifas de Trump podem aumentar o custo das baterias e dos veículos elétricos
Energia

Como as tarifas de Trump podem aumentar o custo das baterias e dos veículos elétricos

Os planos de negociação da futura administração ameaçam abrandar a transição para indústrias mais limpas, aumentar a inflação, e estagnar a economia.

O plano “America First” do presidente eleito Donald Trump para impor tarifas altas sobre produtos importados ameaça aumentar o custo e abrandar o desenvolvimento de projetos de tecnologia limpa nos Estados Unidos.

Durante a campanha eleitoral, Trump comprometeu-se a impor tarifas generalizadas de 10% a 20% sobre todos os produtos estrangeiros, tarifas de 60% a 100% sobre bens chineses, e tarifas de 25% a 100% sobre produtos do México. O objetivo desta última medida é, em parte, impedir a circulação de produtos de empresas chinesas que estão a estabelecer fábricas no México e, em parte, forçar o país a interromper a migração para os Estados Unidos.

Estes planos poderiam facilmente acrescentar milhares de milhões de dólares aos preços que as empresas dos Estados Unidos (e, portanto, os consumidores) pagam por baterias e veículos elétricos, bem como pelo aço utilizado na construção de centrais solares, centrais geotérmicas, instalações nucleares, linhas de transmissão, e muito mais.

“Isto vai aumentar o custo da energia limpa e isso vai abrandar a revolução”, diz David Victor, professor de políticas públicas na Universidade da Califórnia em San Diego, referindo-se ao desenvolvimento acelerado das indústrias de baixas emissões de carbono.

A retórica de campanha de Trump certamente nem sempre se traduziu em políticas decretadas. No entanto, ele tem afirmado consistentemente que as tarifas irão forçar as empresas a produzir mais bens em solo americano, restaurando a indústria transformadora do país, criando empregos, e reduzindo o défice federal, infligindo, ao mesmo tempo, uma dor económica a rivais económicos internacionais como a China.

“As tarifas são a maior invenção de todos os tempos”, proclamou Trump num comício em Flint, Michigan, em setembro.

Mas, independentemente do que Trump diz ou entende sobre tarifas, elas são, efetivamente, um imposto nacional pago pelas empresas dos Estados Unidos que compram esses bens e repassado aos consumidores americanos na forma de preços mais altos. (Muitos republicanos concordam com isso.) Muitos economistas e especialistas em assuntos internacionais argumentam que restrições comerciais como essas devem ser aplicadas com cautela, se devem sequer ser aplicadas, pois podem aumentar a inflação, provocar políticas comerciais de retaliação, desencorajar o investimento, e estagnar o crescimento económico mais amplo.

O impacto exato das tarifas propostas por Trump sobre qualquer setor irá depender do valor que a futura administração definir para essas taxas, de como se comparam às tarifas existentes, dos locais onde os bens em questão podem ser comprados, de como as empresas e os países reagem ao longo do tempo, e de outras políticas que a administração venha a implementar.

Contudo, aqui estão três áreas em que os custos dos materiais e dos produtos essenciais para a transição energética poderiam aumentar sob os planos delineados por Trump durante a campanha eleitoral.

Baterias

A China é uma das maiores produtoras mundiais de veículos elétricos (VEs), baterias, células solares, e aço, mas, em parte devido a restrições comerciais anteriores, os Estados Unidos não dependem muito do país para a maioria desses produtos (pelo menos não diretamente).

“Mas há uma exceção a isso, e são as baterias”, diz Antoine Vagneur-Jones, diretor de comércio e cadeias de abastecimento da BloombergNEF, uma empresa de pesquisa de mercado.

A China domina completamente o setor das baterias. De acordo com um relatório de 2022 da Agência Internacional de Energia, o país produz cerca de 85% dos ânodos de baterias, 70% dos cátodos, e 75% das células de baterias do mundo. Para além disso, mais de metade do processamento global de lítio, cobalto e grafite, minerais fundamentais usados para produzir baterias de iões de lítio, ocorre na China.

Os Estados Unidos importaram o equivalente a cerca de 4 mil milhões de dólares em baterias de iões de lítio da China nos primeiros quatro meses de 2024, segundo a BloombergNEF.

Os Estados Unidos já possuem uma variedade de tarifas sobre bens chineses. O presidente Biden preservou muitas das tarifas que Trump impôs durante o seu primeiro mandato, tendo até aumentado várias delas no início do ano passado. A Casa Branca afirmou que essa ação foi tomada em resposta ao que descreveu como “práticas comerciais injustas” por parte da China. Contudo, foi apenas a mais recente ação numa longa tentativa bipartidária para combater a crescente força económica da China e o seu controlo sobre componentes fundamentais dos setores de alta tecnologia e de tecnologia limpa.

Ainda assim, as tarifas de 60% a 100% propostas por Trump excederiam bastante as tarifas atuais sobre as baterias, que correspondem a 28,4% para baterias de VEs. Numa compra de 4 mil milhões de dólares, essas tarifas de fronteira iriam adicionar até 2,4 mil milhões de dólares ao valor mais baixo, mais do que o dobro do custo adicional sob o direito pautal atual, ou (talvez óbvio) 4 mil milhões de dólares ao valor mais alto, se tudo o resto permanecer igual.

Vagneur-Jones salienta que, mesmo com uma tarifa de 60%, as baterias chinesas são tão baratas que, em termos de custos, continuariam a ser concorrentes das produzidas nos Estados Unidos. No entanto, isto representaria na mesma uma grande mudança dos custos atuais para as empresas que precisam de comprar baterias para VEs, sistemas solares residenciais, ou centros de armazenamento em rede. E como a China é uma produtora tão dominante, as empresas dos Estados Unidos teriam caminhos limitados para comprar essas baterias de outras fontes em volumes semelhantes.

Aço

O aço é usado em praticamente todos os projetos de tecnologia limpa ou tecnologia climática atualmente. Forte e duradouro, ele compõe partes vitais de turbinas eólicas, centrais hidroelétricas, e centrais solares. Todo esse aço precisa de vir de algum lugar, e, na maioria das vezes, não é dos Estados Unidos.

Em 2023, os Estados Unidos importaram do México 3,8 milhões de toneladas de “produtos de aciaria” no valor de 4,2 mil milhões de dólares, de acordo com dados do Global Steel Trade Monitor da International Trade Administration.

O aço importado do México, o segundo maior fornecedor de ligas de metal do país, pelos Estados Unidos geralmente não está sujeito a tarifas significativas, desde que tenha sido originalmente derretido e moldado no México, no Canadá, ou nos Estados Unidos. Assim, uma tarifa de 25% a 100% sobre o mesmo valor de aço custaria às empresas norte-americanas entre 1,1 a 4,2 mil milhões de dólares a mais (se tudo o resto permanecer igual e sem considerar taxas sobre determinados produtos de aço).

(No início do ano passado, a administração Biden impôs uma tarifa de 25% sobre as importações do México de aço originalmente derretido e moldado em outros países, como parte de um esforço para impedir grandes fornecedores, como a China, de evitar as tarifas. no entanto, esses impostos aplicam-se apenas a uma pequena fração dos carregamentos.)

Entretanto, a tarifa de 10% a 20% de Trump sobre todos os países poderia acrescentar o mesmo valor ao custo do aço de outros fornecedores mundiais, dependendo do modo como essas tarifas se comparam às existentes em cada país. Isso pode, por exemplo, acrescentar até 1,6 mil milhões aos quase 8 mil milhões de dólares em aço que os Estados Unidos importaram em 2023 do Canadá, a maior fonte do país (se tudo o resto permanecer igual e sem considerar taxas sobre determinados produtos de aço).

Essas taxas iriam aumentar os custos para qualquer empresa norte-americana que utiliza aço que não é fornecido por produtores nacionais, incluindo empresas de tecnologia limpa que estão a criar projetos de demonstração ou instalações em escala comercial.

No entanto, vários projetos serão poupados. Aqueles que estão a receber vários empréstimos, subsídios, ou incentivos fiscais federais já são geralmente obrigados a adquirir o seu aço dos Estados Unidos. Nesse caso, esses projetos não seriam afetados por tarifas como estas, explicou Derrick Flakoll, associado de políticas da América do Norte da BloombergNEF, num e-mail.

Contudo, é provável que a competição para garantir os fornecimentos limitados de aço nacional se torne mais intensa. Os Estados Unidos dominaram a produção mundial de aço durante grande parte do século passado, mas agora ocupam o distante quarto lugar, gerando cerca de um doze avos da produção da China no ano passado, de acordo com a associação World Steel Association.

“Seguimos o caminho da globalização”, diz Joshua Posamentier, cofundador e sócio-gerente da Congruent Ventures, uma firma de investimentos focada no clima, em São Francisco. “Agora estamos completamente dependentes de todas as outras partes do mundo.”

Veículos Elétricos

Os Estados Unidos são o maior importador de VEs do mundo, comprando o equivalente a quase 44 mil milhões de dólares em carros e camiões elétricos a bateria, híbridos, e híbridos plug-in em 2023, de acordo com a Organização Mundial do Comércio. É o maior mercado de exportação da Alemanha e da Coreia do Sul, segundo a BloombergNEF.

Se Trump implementasse uma tarifa de 10% a 20% sobre todos os bens estrangeiros, esta iria acrescentar entre 4,4 a 8,8 mil milhões de dólares ao custo do mesmo volume de compra de VEs (se tudo o resto permanecer igual e sem ajustar para as taxas já existentes de país para país).

As tarifas ainda mais altas que propôs sobre o México iriam acrescentar prémios consideravelmente maiores sobre veículos fabricados no país, o qual exportou mais de 100 000 VEs produzidos por grandes empresas automóveis, incluindo a Ford e a Chevrolet, no ano passado, de acordo com a Asociación Mexicana de La Industria Automotriz. Entretanto, a BMW, a Tesla e as empresas chinesas BYD e Jetour anunciaram os seus planos de produzir VEs no México.

Embora a China seja a maior fabricante de VEs do mundo, as esperanças de Trump de aplicar uma tarifa de 60% a 100% sobre os bens chineses provavelmente não teriam um enorme impacto nesse setor, uma vez que o país já importa muito poucos VEs chineses. Para além disso, o próprio presidente Biden aumentou recentemente o direito pautal para 100%.

Os impactos mais amplos nos VEs serão provavelmente ainda mais complicados pelos planos da futura administração Trump de diminuir regras e subsídios federais que apoiam o setor, incluindo partes da Lei da Redução da Inflação.

Revogar disposições fundamentais da principal legislação climática de Biden iria prejudicar o objetivo de contrariar a dominância da China, pois esses incentivos federais já desencadearam uma rápida expansão do desenvolvimento de projetos de baterias e VEs com sede nos Estados Unidos, diz Albert Gore, diretor executivo da Zero Emission Transportation Association.

“Isso iria prejudicar muitos investimentos na indústria transformadora nos Estados Unidos”, afirma.

A ‘grande preocupação’

Aplicadas de forma sensata, as tarifas podem ajudar certas indústrias nacionais, ao permitir às empresas concorrer com os custos mais baixos de produtores estrangeiros, alcançar inovações de manufatura ou melhorias de produtos, e combater práticas comerciais injustas.

Algumas empresas norte-americanas de tecnologia limpa e associações comerciais, incluindo fabricantes de materiais da cadeia de valor solar como a First Solar e a Swift Solar, argumentaram a favor de restrições comerciais mais rígidas.

No início do ano passado, essas e outras empresas representadas pela American Alliance for Solar Manufacturing Trade Committee requereram petições ao governo federal para investigar “práticas comerciais potencialmente ilegais” no Camboja, na Malásia, e no Vietname. As empresas alegaram que a China e as empresas baseadas no país contornaram restrições comerciais através do envio de bens por meio de centros de distribuição nesses países e despejaram bens com preços abaixo dos custos de produção nos Estados Unidos para obter quota de mercado.

Nem as empresas nem a associação comercial responderam às perguntas da MIT Technology Review norte-americana sobre as suas opiniões em relação às propostas de Trump antes do fecho da edição. O mesmo ocorreu com a American Clean Power Association, que representa desenvolvedores de centrais solares e se opôs aos aumentos recentes de impostos, os quais podem aumentar os custos desse tipo de projetos.

Com o passar do tempo, as tarifas de Trump podem, de facto, obrigar as empresas a mudar mais das suas operações de fabrico para os Estados Unidos novamente e ajudar a diversificar a cadeia de abastecimento global de bens essenciais, diz David Victor, da Universidade da Califórnia em San Diego.

É também provável que as tarifas alimentem a mineração e o processamento de minerais críticos como lítio e níquel nos Estados Unidos, tendo em consideração o aumento dos custos dos materiais importados e os planos da administração de diminuir regras ambientais e de autorização.

“Eles adoram setores extrativos”, diz Jonas Nahm, professor associado da Johns Hopkins School of Advanced International Studies.

No entanto, a “grande preocupação” é que os planos de Trump para aumentar as tarifas, cortar os gastos do governo, e implementar outras mudanças políticas possam estagnar a economia mais ampla, diz Rachel Slaybaugh, sócia da DCVC, uma firma de investimentos em São Francisco.

De facto, os efeitos combinados das propostas de Trump, incluindo a sua promessa de deportar centenas de milhares a milhões de trabalhadores, podem aumentar a inflação nos Estados Unidos em mais de 4% até 2026, ao passo que o PIB pode diminuir pelo menos 1,3%, de acordo com uma análise da Peterson Institute for International Economics, uma empresa de investigação independente em Washington, DC.

Somente as tarifas poderiam custar às típicas famílias norte-americanas uma despesa adicional de 2600 dólares por ano. As tarifas podem também provocar medidas de retaliação por parte de outros países, incluindo a China, que poderiam impor as suas próprias taxas mais altas sobre os produtos norte-americanos ou interromper o fluxo de bens essenciais.

Slaybaugh prevê um abrandamento contínuo dos investimentos de risco em empresas de tecnologia limpa durante os próximos meses, à medida que os investidores aguardam para ver o nível de agressividade com que a administração Trump irá implementar as várias promessas que ele fez na campanha eleitoral. Essa pausa, por si só, irá dificultar às start-ups a garantia do capital que necessitam para aumentar ou sustentar operações.

Mesmo que as tarifas eventualmente forcem as empresas norte-americanas a produzir maiores quantidades dos bens que são atualmente importados de forma barata e eficiente de outros países, isso implica um grande problema quando se trata da transição para a energia limpa. Tendo em conta os custos mais altos do trabalho, da terra e dos materiais nos Estados Unidos, será simplesmente muito mais dispendioso construir os sistemas de energia e de transporte modernos e de emissões reduzidas que o país precisa atualmente, afirma Nahm.

Neste ponto, depois de a China ter passado décadas e vastas quantias de dinheiro a bloquear cadeias de abastecimento globais, e a aumentar a produção e a reduzir os seus custos, é imprudente acreditar que as empresas norte-americanas podem facilmente intervir e produzir rapidamente esses bens essenciais em relativo isolamento global, como argumentaram Victor e seu colega, Michael Davidson, num artigo da Brookings Institution.

“A colaboração e a competição, não a hostilidade, são as formas como podemos alcançar o maior fornecedor mundial de produtos de tecnologia limpa”, escreveram.

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