No ano passado, adicionei o meu perfil de ADN a uma base de dados genealógica privada, a FamilyTreeDNA, e cliquei em “Sim” para permitir que a polícia pesquisasse os meus genes.
Em 2018, a polícia da Califórnia anunciou que tinha capturado o Golden State Killer, um homem que tinha escapado à detenção durante décadas. Fizeram-no carregando o ADN recolhido na cena do crime em sites como aquele a que eu tinha aderido, onde entusiastas de genealogia partilham perfis genéticos para encontrar familiares e explorar a ancestralidade. Assim que a polícia obteve “coincidências” com alguns parentes do assassino, construiu uma grande árvore genealógica da qual retirou o provável suspeito.
Esse processo, chamado genealogia genética investigativa forense (Forensic Investigative Genetic Genealogy ou FIGG, na sigla em inglês), ajudou desde então a resolver centenas de homicídios e agressões sexuais. Ainda assim, embora a tecnologia seja poderosa, está longe de estar plenamente desenvolvida. Funciona através de uma mistura de laboratórios privados e sites não regulamentados, como o FamilyTree, que dão aos utilizadores a opção de aceitar ou não as buscas da polícia. O número de perfis disponíveis para investigação policial ronda 1,5 milhões, ainda insuficiente para garantir coincidências em todos os casos.
Para dar o meu contributo e aumentar esses números, viajei até Springfield, Massachusetts.
A equipa do procurador distrital local, Anthony D. Gulluni, estava a distribuir testes gratuitos do FamilyTree num jogo de hóquei de uma liga secundária, com o objetivo de ampliar a sua rede de ADN e ajudar a resolver vários homicídios por esclarecer. Depois de dar uma olhadela a um formulário de consentimento, cuspi para um tubo e entreguei-o. De acordo com o material promocional do gabinete de Gulluni, eu “tornar-me-ia um herói”.
Mas não estava realmente motivado por algum impulso de capturar assassinos em série distantes. Na verdade, a minha saliva tinha um motivo menos galante e mais beligerante: provocar os defensores da privacidade cujos receios em torno do ADN considero exagerados e contraproducentes. Ao ceder a minha saliva para análise, estava a contrariar a ideia de que o ADN de uma pessoa é um texto individualizado e sagrado, como por vezes os defensores da privacidade afirmam.
Na realidade, a única razão pela qual o FIGG funciona é porque os parentes partilham ADN: possui cerca de 50% com um dos progenitores, 25% com um avô, cerca de 12,5% com um primo em primeiro grau, e assim sucessivamente. Quando recebi o meu relatório do FamilyTree, o meu ADN tinha “coincidido” com 3.309 pessoas.
Algumas pessoas assustam-se com o FIGG ou rejeitam os seus objetivos punitivos. Uma genealogista europeia que conheço afirma manter o seu ADN privado porque é contra a pena de morte e não quer correr o risco de ajudar as autoridades dos EUA em casos em que possa ser aplicada a injeção letal. Mas, se pessoas em número suficiente partilharem o seu ADN, os objetores de consciência não terão relevância. Cientistas estimam que uma base de dados com 2% da população dos EUA, cerca de 6 milhões de pessoas, poderia identificar a origem de praticamente qualquer ADN recolhido numa cena de crime, dado o número de parentes distantes que cada um de nós tem.
Académicos da área do big data denominaram esse fenómeno de “tirania da minoria”. A divulgação voluntária de uma pessoa pode acabar por expor a mesma informação sobre muitas outras. E essa tirania pode ser abusada.
As informações de ADN mantidas em sites genealógicos privados, como o FamilyTree, são ligeiramente protegidas pelos termos de serviço. Esses acordos foram mudando ao longo do tempo; a certa altura, todos os utilizadores eram incluídos automaticamente nas buscas das autoridades. As regras também são facilmente contornadas. Registos judiciais recentes indicam que o FBI, no seu zelo para resolver crimes, por vezes ultrapassa restrições para procurar correspondências em bases de dados cujas políticas excluem a polícia.
“Objetivos nobres; sem regras”, foi assim que uma genealogista genética descreveu a situação geral na sua área.
A minha incerteza cresceu quanto mais perguntas colocava. Afinal, quem controla o meu ficheiro de ADN? Não é fácil descobrir. O FamilyTree é uma marca operada por outra empresa, a Gene by Gene, que em 2021 foi vendida a uma terceira empresa, a MyDNA, em última instância detida por um magnata australiano cujo nome não aparece em lado nenhum no site. Quando contactei o diretor-geral do FamilyTree, o genealogista Dave Vance, disse-me que três quartos dos perfis no site estavam “optados” para buscas de aplicação da lei.
Uma das soluções defendidas é que o governo federal deveria organizar a sua própria base de dados nacional de ADN para FIGG. Mas isso exigiria novas leis, novos padrões técnicos e um debate sobre como a nossa sociedade quer empregar este tipo de big data, e não apenas obter consentimentos individuais como o meu. Não existe projeto nacional nem consenso.
Continuo disposto a juntar-me a uma base de dados nacional de combate ao crime, mas arrependo-me de o ter feito da forma como fiz, cuspindo para um tubo à beira de um jogo de hóquei e assinando um formulário de consentimento que afeta não apenas a mim, mas também todos os meus milhares de parentes genéticos. Para eles, digo: Ups. O vosso ADN; a minha culpa.