A marinha dos EUA quer usar enxames de milhares de pequenos drones
Inovação

A marinha dos EUA quer usar enxames de milhares de pequenos drones

Documentos orçamentários revelam planos para o projeto de Super Swarm, uma forma de usar um grande número de drones para atacar simultaneamente defesas e sobrecarregá-las.  

A Marinha dos EUA está a trabalhar em maneiras de construir, implantar e controlar milhares de pequenos drones capazes de voar em grupo para sobrecarregar as defesas antiaéreas com a sua imensa quantidade de aeronaves, revelam documentos orçamentários.  

O conflito na Ucrânia comprovou o valor de pequenos drones para o mercado de consumo, incluindo quadricópteros, os quais realizaram reconhecimento aéreo de terreno, guiaram fogo de artilharia e destruíram tanques. Atualmente, essas aeronaves não tripuladas são limitadas pelo facto de que cada uma delas precisa do seu próprio operador. No entanto, num enxame, centenas ou milhares delas são controlados como uma única unidade.   

“A importância dos enxames de drones é que eles podem ser usados em praticamente qualquer missão.” diz Zachary Kallenborn, membro do setor de política na Schar School of Policy and Government da Universidade George Mason (EUA).  

Muitas nações estão a trabalahar com tais enxames, incluindo ChinaRússiaÍndiaReino UnidoTurquia e Israel, que em 2021 se tornou a primeira nação a usá-los em combate. A Marinha dos EUA sempre liderou nessa área e, embora não tenha respondido aos pedidos para comentar sobre o assunto, os documentos orçamentários lidos pela MIT Technology Review americana revelam planos ambiciosos para grupos de aeronaves muito maiores do que qualquer coisa já vista. No meio de centenas de páginas repletas de números orçamentários, encontram-se detalhes de vários projetos não revelados anteriormente, os quais envolvem drones e submarinos, bem como veículos aéreos não tripulados.  

Juntos, enquadram-se num projeto chamado Super Swarm, ou em português, Super Swarm.  

Revoadas como pássaros  

Já deve ter visto shows de luzes de drones, nos quais centenas ou milhares deles voam juntos em perfeita sincronia. Estes não são enxames; cada aeronave voa ao longo de uma rota coreografada e predeterminada. Os veículos aéreos individuais não têm consciência de seus arredores ou uns dos outros. Em contraste, num enxame, voam juntos e estão cientes dos seus arredores, quão próximos estão uns dos outros e usam algoritmos para evitar obstáculos sem atrapalhar as outras unidades em voo, assim como numa revoada de pássaros. Versões mais avançadas usam Inteligência Artificial (IA) com o fim de coordenar as suas ações para tarefas como se espalhar para investigar uma área específica ou realizar um ataque sincronizado.  

A Marinha dos EUA já fez progressos significativos nessa área. Em 2017, fez uma demonstração de um enxame de 30 drones a voar juntos. A ideia é que carreguem bombas explosivas para ataques kamikaze, transformando-os em mísseis de cruzeiro em miniatura. A mesma abordagem foi usada pela Rússia contra cidades ucranianas nos últimos tempos. Este projeto, chamado LOCUST (um acrónimo em inglês para “tecnologia de baixo custo para enxames de veículos aéreos não tripulado”), agora enquadra-se na missão mais abrangente Super Swarm 

Em abril de 2021, um enxame de drones da Marinha dos EUA realizou um ataque a um navio em um exercício de guerra pela primeira vez. De acordo com Kallenborn, mesmo numa missão real, estas pequenas aeronaves carregariam apenas alguns quilos de explosivos cada, em comparação com a ogiva de 220 quilos de um míssil antinavio Harpoon. Isto significa que seriam usados de maneiras diferentes, aproveitando a sua alta precisão.   

“O enxame de drones pode atacar de vários ângulos, com o objetivo de danificar ou destruir sistemas essenciais como antenas de radar, canhões de artilharia naval e sistemas de armas”, diz Kallenborn.  

No documento orçamentário, os planos da Marinha incluem enxames lançados de navios, submarinos, outras aeronaves maiores e veículos terrestres, no que chamam de “operações multidomínio”. Os drones terão uma variedade de cargas úteis: alguns podem carregar sensores, alguns outros levarão bloqueadores de sinais ou outros equipamentos de guerra eletrónica e alguns carregarão bombas. Mas estes enxames ainda lidam com o problema do alcance limitado. Por exemplo, a aeronave não tripulada Raytheon Coyote, a qual pesa pouco menos de 6 quilos e que é usada no programa LOCUST, pode navegar por apenas duas horas a 80 quilómetros por hora e, por isso, precisa de uma boleia.  

Outro projeto, o DEALRS (sigla em inglês para “implantação e emprego de sistemas autónomos de longo alcance”) procura superar esse desafio. Um aspecto do DEALRS é trabalhar nos chamados sistemas robóticos marsupiais ou naves-mãe: aeronaves maiores sem tripulação transportando vários drones menores. Dois fabricantes destes veículos nos EUA, Kratos e General Atomics, já realizaram demonstrações de aeronaves não tripuladas maiores lançando outras menores. Mas estas envolveram apenas um ou dois veículos, enquanto que o DEALRS visa transportar e lançar “números extremamente grandes” de pequenos drones sem intervenção humana.  

Outro subprojeto do Super Swarm procura contornar um problema primordial de equipamentos militares: o custo. O Exército dos EUA paga cerca de US$ 49.000 por cada um dos seus pequenos drones portáteis, conhecidos como Rucksack Portable Unmanned Aircraft Systems. Estas aeronaves descartáveis de enxame precisarão ser muito mais acessíveis para serem efetivamente usadas em grande número. Um projeto chamado MASS (sigla em inglês para “fabricação de sistemas autónomos em escala”) está a usar impressão 3D e ferramentas de design digital para criar em volumosas quantidades drones de baixo custo. O objetivo é que possam ser modificados e otimizados à vontade utilizando a mesma linha de produção para diferentes propósitos, como por exemplo, maximizar velocidade, durabilidade, discrição ou carga útil.  

De acordo com os documentos orçamentários, o MASS fabricará drones “mais à frente e a bordo”, sugerindo a produção a bordo de navios da Marinha mais próximos das frentes de combate. O objetivo estabelecido é produzir dezenas de milhares de aeronaves.  

Controlar e comandar  

A Marinha também quer um sistema de controle mais sofisticado. O Super Swarm já inclui planejamento cooperativo e alocação de tarefas para os membros do enxame, e outro subprojeto, conhecido como MATes (sigla em inglês para “equipes tripuladas e autônomas”), visa facilitar o trabalho conjunto entre humanos e enxames e dar mais autonomia para os bandos de aeronaves não tripuladas.  

A largura de banda de comunicação disponível para o operador pode decair durante a missão, como resultado de interferência de sinal deliberada, por exemplo, e o MATes permite que o enxame aja por sua própria conta quando não consegue receber os controles do operador. Este subprojeto também visa alimentar os enxames com informações coletadas por estes mesmos para influenciar tomadas de decisão futuras: operadores poderiam mudar o direcionamento dos drones quando detectassem novas ameaças ou poderiam enviá-los para investigar um alvo recém-identificado. Isto será um grande desafio para a IA.  

“Milhares de drones autónomos significam milhares de pontos de erro”, diz Kallenborn. “O uso de modelos matemáticos e a simulação de cenários ajudariam a reduzir o potencial para erro, mas é difícil dar conta da miríade de complexidades do mundo real”.  

A primeira leva  

Se todos os projetos do Super Swarm derem certo, uma força naval dos EUA será capaz de lançar enormes enxames para percorrer longas distâncias, fazer reconhecimento aprofundado de uma área ampla e encontrar e atacar alvos. Os pequenos drones da Ucrânia destruíram mais de cem veículos blindados russos; um enxame de mil aeronaves dessas pode acabar com um batalhão inteiro num único ataque. Drones adicionais poderiam ser direcionados contra um alvo que sobrevivesse ao ataque inicial para fornecerem imagens detalhadas dos resultados.  

Os documentos orçamentários sugerem que os enxames são vistos como uma resposta para uma das maiores dores de cabeça dos militares dos EUA: “anti acesso/negação de área” (ou A2/AD), jargão militar para áreas cobertas por defesas com mísseis avançados de cobertura superfície-ar (conhecidos como SAM, em inglês) ou antinavios, os quais impedem a incursão de forças americanas.  

Os enxames poderiam romper as defesas existentes mais robustas; dezenas ou centenas de drones poderiam até ser abatidos, mas outros milhares conseguiriam quebrar as barreiras com munições o suficiente para derrubar radares de defesa aérea e outras ferramentas de resistência. Este processo abriria caminho para ataques de mísseis de cruzeiro, aeronaves tripuladas e outras armas tradicionais.  

Peter W. Singer, um estratega do think thank New America e uma autoridade em guerra com drones, diz que o projeto Super Swarm enfrenta desafios intimidadores, em particular, desenvolver a coordenação do enxame para além de simples tarefas, como caçar em bando, mas também diz que os problemas parecem superáveis.   

“De muitas maneiras, não é mais intimidador do que as ideias de fazer um avião descolar de um navio ou coordenar os movimentos de centenas de aviões tripulados devem ter parecido para as gerações passadas”, diz Singer.  

O enxame poderia realizar todos os tipos de outras missões, desde reconhecimento e recolha de informações até guerra eletrónica e entrega de abastecimentos. Como observa Singer, esta tecnologia poderia trabalhar lado a lado com sistemas tripulados.   

“Assim como a Amazon prevê um mundo de entregas em massa e com eficiência com caminhões robóticos de 18 rodas e pequenos drones para a etapa final, provavelmente veremos o mesmo com os seus paralelos militares”, refere.  

Kallenborn diz que o Super Swarm não necessariamente garantirá a vitória em batalhas ou guerras, uma vez que os investigadores militares já estão a investigar formas de conter a ofensiva.   

“Toda arma tem uma contramedida. A questão é quão confiável e eficaz são”, alerta.  

No entanto, refere ue pode levar algum tempo para desenvolverem e implantarem tais tecnologias contra o Super Swarm, as quais poderiam incluir lasers, armas de micro-ondas ou enxames de interceptadores. Singer também vê a chegada do projeto de milhares de aeronaves não tripuladas ou algo parecido como inevitável, mesmo levando em conta as contramedidas já em desenvolvimento.  

“Qualquer um que argumente que enxames de drones não aparecerão em um campo de batalha futuro um dia soará como as pessoas que outrora argumentaram que o submarino, o tanque ou o avião eram mera ficção científica”, diz Singer. “Isso não ignora somente o que estamos a ver agora em guerras como a da Ucrânia, mas também todo o trabalho de desenvolvimento que militares e empresas de todo o mundo estão a realizar”. 

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