Inovação

A utopia da inovação: quem investe demasiado tempo na solução esquece o principal

Uri Levine, um dos criadores do Waze, dizia: “apaixone-se pelo problema, não pela solução”. Enquanto as empresas não olharem para o conceito ‘job to be done’, dificilmente encontrarão o caminho real da disrupção.

A área de inovação tanto pode ser a parte mais valiosa de uma empresa como também a causadora das suas frustrações. Tudo depende da cultura organizacional e da forma como procuramos resolver os problemas dos nossos consumidores. Numa pesquisa realizada em 2016 pela consultora McKinsey, 84% dos executivos de empresas globais relataram que a inovação era extremamente importante para as suas estratégias de crescimento; no entanto, impressionantes 94% estavam insatisfeitos com as soluções trazidas pelas suas equipas.

Quando vemos números tão contraditórios, é importante entender que essa insatisfação não pode estar ligada apenas à performance das pessoas. Há uma parte fundamental neste processo errada – e que corre abaixo da superfície. Muita gente deseja usar os dados para construir produtos e serviços de sucesso. É uma visão construída a partir da transformação digital, que trará mais eficiência e ajudará a fazer o dobro do trabalho na metade do tempo. Tudo isso é importante, mas não tem valor se o conceito ‘job to be done’ (JTDB) não for bem compreendido, não apenas pela área de inovações, mas por toda a organização.

Quem conhece Clayton M. Christensen sabe do que falo. Na sua tese, o professor (mundialmente conhecido na área de inovação) explica que antes de desenvolvermos um novo produto, precisamos perceber a fundo quais são as necessidades das pessoas. Todos somos movidos por necessidades. Algumas pequenas, como encontrar uma roupa adequada para uma reunião, outras profundas, como ocupar uma função numa empresa que te posicione na cadeia alimentar da sociedade. Parafraseando Clay, “quando compramos um produto, basicamente ‘contratamos’ algo para nos ajudar a realizar um trabalho. Se funcionar bem, na próxima vez que formos confrontados com a mesma tarefa, tendemos a contratá-lo novamente. Caso contrário, “despedimo-lo ”e procuramos uma alternativa”.

Essa mudança de perspectiva mostra que a inovação está longe de ser um trabalho de futurismo. A visão dos líderes de uma empresa certamente é importante para a definição da estratégia, mas acredite: na maioria das vezes, a primeira hipótese de caminho proposta pelos executivos mais admirados das organizações tem pouca tração com os seus consumidores. Esses líderes, então, estão no lugar errado? Não, não funciona assim. Nós erramos quando, através das nossas próprias experiências, tentamos prever o que vai mover o comportamento das pessoas. Apaixonar-se pela solução faz com que se gaste mais tempo a provar que estávamos certos em vez de realmente aprender e ouvir as pessoas. Quando a ordem é invertida, a vulnerabilidade ganha espaço, então todos assumem que não sabem a resposta, passam apaixonar-se pelo problema, pela oportunidade, e assumir que todos os dados e a visão estratégica estão ali apenas para entender as suas hipóteses, testá-las, alterá-las e, a partir daí, encontrar o produto ou o serviço que realmente tenha hipóteses de prosperar.

Vou dar um exemplo prático da minha årea: uma grande transformação tem vindo a acontecer no mercado de Cerveja Brasileiro. A popularização das marcas internacionais, como Stella Artois, Beck’s e Budweiser, faz com que a preferência do consumidor brasileiro mude –de cervejas mais leves e refrescantes, para outras mais amargas e encorpadas. É um campo extremamente fértil para quem trabalha com inovação, não é? E ainda, identificamos uma contradição, uma tensão, daquelas estimulantes para se trabalhar. 

Mesmo com a preferência a migrar para as mais encorpadas, nos testes cegos as cervejas leves continuavam a registar as melhores avaliações! Eureca! Falta no Brasil um mercado de cervejas Premium mais leves, que ao mesmo tempo são fáceis e boas de beber e que entreguem o algo a mais que justifique o seu status.

Esse foi o ponto de partida, a fixação, a paixão. Para a mesma oportunidade, testamos um set de hipóteses, focamos o desenvolvimento em cima do problema e deixamos o consumidor nos contar o que fazia sentido. Duas opções se destacam. Uma versão de Stella Artois sem glúten e a Michelob Ultra, uma cerveja que tem 30% menos calorias e de hidratos de carbono que uma cerveja comum. Qual vai se tornar a onda do momento não cabe a nós decidir ou empurrar para as pessoas. O famoso ditado “o consumidor é o patrão” começa a fazer mais sentido nas nossas rotinas.

É importante entender que, para a inovação dar certo, é preciso acontecer uma transformação na vida das pessoas. Os consumidores devem estar abertos para experimentar o novo, comprar a inovação, apreciar o suficiente para substituir o que já consumiam e, por fim, tornarem-se agentes de divulgação do produto. Desenvolver e lançar é a parte mais fácil, encontrar essa relevância é a tarefa mais desafiadora.

Quando a Boston Consulting Group (BCG) investigou que, das 162 empresas que estiveram na lista das 50 mais inovadoras nos últimos 14 anos, 30% apareceram apenas uma vez e 57% apareceram menos de três vezes no período todo. Apenas oito estão na lista todos os anos. Criar uma empresa inovadora não é só uma questão de estratégia e de investimento. Na era dos dados, dos heróis, das respostas, nunca me esqueço do que Albert Einstein disse: “Se tivesse uma hora para resolver um problema e a minha vida dependesse da solução, eu gastaria os primeiros 55 minutos a determinar a pergunta certa a se fazer e, uma vez que eu soubesse a pergunta, poderia resolver o problema em menos de 5 minutos”.

Artigo de Felipe Cerchiari, Autor – MIT Technology Review Brasil

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