Humanos e Tecnologia

Experiência Digital: Emoções potenciadas pela tecnologia

Os canais digitais têm vindo, ao longo dos últimos anos, a ganhar uma importância cada vez maior na relação entre as marcas e os seus clientes. Independentemente da Indústria considerada, as empresas têm apostado de forma muito relevante na criação de canais de comunicação com os seus clientes através de websites, aplicações móveis e até assistentes virtuais, que marcam presença em vários dispositivos que muitos trazem já consigo ou têm em casa.

 Apesar da aposta clara, do ponto de vista de mercado, a verdade é que basta recuar dois anos para perceber que duas variáveis fundamentais que pautam o sucesso das iniciativas digitais eram bem diferentes quando comparadas com os dias de hoje:

  •       A aceitação da população, em geral, das plataformas digitais.
  •       A prioridade que este tipo de iniciativas tem nas organizações.

A atual situação pandémica teve impactos a vários níveis e em diferentes indústrias. Se, por um lado, se assistiu a uma quebra muito significativa em determinados sectores, é um facto de que noutros houve um aumento muito relevante da procura – sendo um claro exemplo disto o sector das Tecnologias de Informação. Num Mundo em que as pessoas se viram extremamente limitadas, sem qualquer controlo sobre uma data para um regresso ao “normal” que venha de seguida, utilizadores e empresas tiveram de olhar de forma diferente para as plataformas digitais:

  •       Muitas das pessoas que não estavam habituadas a utilizar os canais digitais disponibilizados pelas empresas, tendo algumas delas sérias dificuldades e/ou resistência, tiveram de aprender a fazê-lo. Fosse para falar com a família e rever os netos ou para encomendar as compras do supermercado (com ou sem ajuda), o número de utilizadores deste tipo de plataformas aumentou muito significativamente.
  •       As marcas tiveram de considerar de forma muito séria, e pragmática, o que significa para si a presença no digital. Num mundo em que os utilizadores não têm outro modo para comunicar e/ou realizarem o que precisam na sua relação com determinada empresa, qual deve ser a prioridade que os canais digitais têm? E qual o investimento que se torna necessário fazer, em detrimento muitas vezes de outras iniciativas já planeadas – por exemplo, em espaços físicos – considerando os tempos que se vivem?

Analisando o último ano fica clara a relação entre a pandemia e o aumento de iniciativas digitais, de natureza distinta e com diferentes graus de sucesso. Todo este movimento, claramente catalisado nos últimos 12 meses, deu ênfase a uma questão fundamental no desenvolvimento de canais digitais: a Experiência do Utilizador. Uma solução digital é composta por vários blocos, diferentes peças tecnológicas que cumprem várias tarefas. De uma forma simples, pode-se dividir este tipo de soluções em duas grandes áreas:

  •       O Frontend: uma app ou um site, por exemplo, que permitem que o utilizador tire partido da solução, interagindo com a mesma.
  •       O Backend: que engloba toda a lógica de negócio e tira partido de um conjunto de serviços e integrações.

O Frontend é a “cara” que os utilizadores usam para interagir com a solução. É um espelho do posicionamento da Marca e oferece aos utilizadores funcionalidades assentes numa determinada experiência. Ao nível do Backend é onde é feita a esmagadora maioria do processamento: é aqui que estão definidas as regras que garantem a adequabilidade da solução ao negócio que a mesma deve mapear; é esta área que contempla todos os dados, e onde podemos incluir por exemplo soluções de Big Data e Analítica, de modo a tirar partido da informação e conseguir tirar conclusões, prevendo comportamentos e outras variáveis. Estas duas realidades são complementares, mas ao longo dos anos há um aumento crescente da importância dada ao tema da Experiência de Utilizador. Se por um lado é expectável que a Arquitectura da Solução garanta questões como robustez, segurança e escalabilidade, por outro é a Arquitectura da Experiência que muitas vezes dita se um determinado projecto ou iniciativa digital terá ou não sucesso. Isto porque é cada vez mais claro que, apesar de haver experiências que podem nunca ser possíveis sem um Backend adequado de suporte às mesmas, é também claro que um Backend só por si, e por muito poderoso que seja, não dita o sucesso da solução digital em que se insere – em particular quando a mesma se destina a utilizadores finais.

O tema da Experiência não é, de todo, recente. No livro “The Experience Economy”, dos autores  B. Joseph Pine II e James H. Gilmore, a temática é abordada com bastante detalhe e apresentada como uma evolução natural do mercado. Da mesma forma que, ao longo do tempo, o foco deixou de ser as matérias primas para passarem a ser os bens que com elas se constroem, também o foco nos serviços prestados usando esses bens está cada vez mais a ser substituído por um foco na experiência proporcionada na utilização desses serviços. Um exemplo concreto desta evolução, e do valor que a mesma aporta ao mercado, é o café: o valor gerado por um grão é inferior ao valor gerado por um saco de café moído. Por sua vez, o valor do saco é inferior ao valor dos vários cafés servidos – e estes ficam aquém do valor produzido por quem oferece uma experiência no seu consumo, como é o exemplo do Starbucks. A Experiência aparece como um complemento que faz toda a diferença e desperta emoções nos utilizadores que ditarão, entre outras coisas, o seu nível de gratificação com determinada acção e a sua lealdade perante a Marca. E estas são variáveis fundamentais que devem ser consideradas na criação de uma plataforma digital. Referindo uma outra publicação, o livro “The Power of Moments: Why certain Experiences have extraordinary impact”, é importante perceber que a reacção que uma Experiência nos cria – seja ela boa ou má – é biológica e fica de tal forma vincada em cada um que tem de ser devidamente considerada e endereçada no processo de desenho e concepção de uma solução digital.

As empresas têm dedicado, ao longo dos anos, cada vez mais atenção a este tema. À semelhança do que aconteceu com outras questões, é cada vez mais comum que perfis de UX/UI façam parte das equipas de desenvolvimento, seja em equipas Agile ou equipas compostas por Squads, Pods ou qualquer outra abordagem. Isto, só por si, é um excelente sinal de que as empresas reconhecem que quem utiliza as suas plataformas são pessoas e que, como tal, são seres emocionais. Esta “pequena” diferença tem sido o factor determinante de sucesso em iniciativas, que apesar de funcionalmente poderem ser semelhantes a tantas outras, oferecem uma maior experiência e por isso mesmo ganham um papel de destaque.

O momento que vivemos será certamente visto, no futuro, como um ponto de viragem na utilização de soluções digitais. A pandemia acelerou de tal forma a adopção de algumas tecnologias que estas se tornaram pervasivas, diminuíram curvas de adopção de meses para anos e mudaram as nossas vidas para sempre. E, sem dúvida, que ficará também claro que quem melhor foi capaz de criar Experiências marcantes, de base tecnológica, teve uma vantagem clara perante os seus concorrentes. A grande questão é qual o papel que cada empresa assumirá hoje, assumindo este como um futuro provável, para garantir que é vista no Futuro como uma empresa de referência.

Artigo de Sérgio Viana, Autor – MIT Techonolgy Review Portugal

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