Inovação

Realidade Aumentada: parceria entre educação e tecnologia

O Covid-19 trouxe impactos inimagináveis e acelerou alguns processos tecnológicos mesmo que não tenhamos infraestrutura necessária para isso. Na educação não conseguimos contabilizar os impactos profundos e talvez irreparáveis que teremos que lidar. Dado o avanço da tecnologia, um leque de possibilidades abre-se no universo educacional, uma parceria entre educação e tecnologia que está a ser construída no meio de vários problemas e soluções. A Realidade Aumentada é uma dessas possibilidades, uma tecnologia que sobrepõe elementos virtuais à nossa visão da realidade.

A realidade aumentada é frequentemente apresentada como uma tecnologia futurista, mas existe há anos e pode ser dividida em três etapas: a teoria, o primeiro teste concreto e o uso do termo que conhecemos hoje. A RA, em teoria, é descrita no livro “The Master Key: An Electrical Fairy Tale” (A chave mestre: um conto de fadas elétrico) como um tipo de óculos que dava características da personalidade de outras pessoas a quem o usasse. “Enquanto os utiliza, todos os que conhecem serão marcados na testa indicando a sua personagem. O “bom” terá a letra G, o “mau” a letra E. O sábio será marcado com um W e o tolo com um F. O tipo mostrará um K em suas frentes e a cruel carta C.”

Já a primeira experiência concreta da tecnologia foi em 1968, quando os americanos Ivan Sutherland e Bob Sproull fabricaram a “The Sword of Damocles”, um protótipo de um capacete que ao ser conectado a um computador permitia a visualização de gráficos nas suas lentes. 

O termo realidade aumentada só surgiria em 1992 com Tom Caudell e David Mizell. Caudell trabalhava na fabricante de aviões Boeing e mostrou uma aplicação com o intuito de facilitar o trabalho dos mecânicos que, por meio de wireframes, indicava onde se ligava cada parte. Com isso, os profissionais eram poupados de leituras demoradas de complexos e gigantescos manuais. Interessante perceber que a primeira experiência foi conectada à ideia de facilitar a aprendizagem de algum conteúdo, pois uma das principais utilizações da Realidade Aumentada está na área de Educação.

A forma mais fácil da RA popularizar-se na sociedade é por meio de aplicações em telemóveis e tablets, como por exemplo o jogo Pokémon Go, lançado em 2016, e que se tornou uma febre em todo mundo. Foram estimados mais de 100 milhões de utilizadores em todo mundo, de acordo com a CNET. O jogo permite aos utilizadores visualizar personagens do universo Pokémon a saltar na sua própria cidade com o objetivo de capturar esses monstros de bolso e usá-los para combater os demais. As transmissões de jogos de futebol são outro exemplo de uso de Realidade Aumentada fora do ambiente controlado de aplicações. As emissoras usam AR para desenhar linhas no campo para ilustrar e analisar as jogadas. Exemplos que estão a fazer parte do nosso dia a dia aos poucos.

Mas e na educação?

Há exemplos interessantes da aplicação de RA para estudo, como por exemplo o BBC Civilizations AR, aplicação da BBC que permite que os utilizadores visualizem, rodem e redimensionem inúmeros artefactos históricos usando a tecnologia. Outro exemplo para quem gosta de idiomas é o Mondly, disponível para Android e iOS. Com 33 idiomas diferentes, a app oferece exercícios diários para que possa aprender um novo idioma. Por meio da realidade aumentada, o utilizador pode posicionar uma professora num local plano e, em seguida, pode treinar o vocabulário e a pronúncia com o idioma selecionado.

Em pesquisas recentes sobre educação remota, a realidade aumentada é colocada com uma das formas mais eficazes de ajudar na inclusão digital. Em março deste ano aconteceu o Bett London, um encontro global sobre educação, que contou com mais de 40 mil participantes e discutiu o impacto das tecnologias no futuro da educação. Num dois painéis foi apresentada a realidade aumentada num ambiente imersivo, mostrando que a aprendizagem pode tornar-se mais interessante. No ensino de matemática, por exemplo, como a RA trabalha com imagens planas, objetos cilíndricos e imagens volumétricas, a interação com essas figuras torna-se interessante porque os alunos conseguem mover e criar novos objetos a partir das peças virtualmente dispostas no ambiente.

O Google Expeditions é uma das propostas que está a ser aplicada nas salas de aula. A aplicação tem um tour sobre história, ciências, artes e o mundo natural, ou seja, pode passear com os dinossauros ou observar esculturas renascentistas e conversar a respeito com os alunos. São duas opções de interação: Realidade Virtual ou Realidade Aumentada. Aqui vale explicar a RV, pois são conceitos que causam uma certa confusão: é uma simulação de interface entre um utilizador e um sistema operacional através de recursos gráficos 3D ou imagens 360º que tem o objetivo de criar a sensação de presença em um ambiente virtual diferente do real.

Neste ano, a pandemia expôs os problemas do nosso sistema educacional, em especial o da educação remota, que é uma das maiores apostas para o uso da Realidade Aumentada. Em 2011, segundo o Ministério da Educação, 21% dos novos alunos do ensino superior optaram pela modalidade à distância, o que representa 400 mil novos alunos. Em 2019 essa percentagem já tinha alcançado 45%. Esse crescimento mostra que é preciso desenvolver a infraestrutura da educação remota, já que os problemas enfrentados ao longo deste ano – com alunos e professores da formação básica ao ensino superior conectados remotamente – revelaram a defasagem do ensino à distância.

Uma das iniciativas, que além de ajudar na melhoria desta área também traz novas perspectivas para a adoção da tecnologia no ensino remoto é a aplicação gratuita da Realidade Aumentada criado pela FAB LABs Livre SP com o objetivo de ajudar no desenvolvimento da alfabetização de crianças e adultos com deficiência auditiva e visual, parcial ou total.

Um outro ponto da inclusão é tornar acessível o estudo dessas tecnologias para as pessoas de diferentes gerações e níveis sociais, como faz o programa realizado pela Recode em parceria com o Facebook, que teve a participação de pessoas de dez cidades brasileiras que passaram por uma imersão de ações de Realidade Aumentada e Inteligência Artificial. É uma forma importante de tornar acessível o domínio de programas digitais mais usados atualmente para auxiliar no desenvolvimento individual e coletivo com a inserção de novas pessoas estudando e criando soluções para área.

Há muito potencial, mas é óbvio que, como ocorre com qualquer tecnologia em ascensão, existem fatores que precisam ser trabalhados, como apontado no artigo “Difficulties in the Incorporation of Augmented Reality in University Education: Visions from the Experts”, publicado pelo Journal of New Approaches in Educational Research. Os investigadores de Seville conseguiram apontar os principais obstáculos para a implementação da RA no ensino universitário: a falta de treino e aprendizagem de professores, as poucas experiências educacionais encontradas, falta de fundamentação conceitual, pesquisa educacional limitada e falta de apoio institucional.

No Brasil, além dos fatores citados, os problemas para a implementação de RA na educação passam por falta de infraestrutruras no setor e pela desigualdade social. O potencial da Realidade Aumentada é visível, mas precisamos entender os limites e, sob a perspectiva brasileira, entender o quê? O como? E o por quê? São perguntas que fazem parte de qualquer início, meio e fim de um projeto. Em qual estágio estamos aqui no Brasil?

Artigo de Nina da Hora, Autor – MIT Technology Review Brasil

Nossos tópicos