Humanos e Tecnologia

RH, Endomarketing e o poder dos dados

Certa vez, um empreendedor afirmou nunca ter visto um único anúncio do Tinder. Tal comentário deixou-me frustrado, afinal a empresa investia milhões de reais em marketing todos os anos. Foi então que compreendi o que estava a acontecer.

O segredo está na forma de comunicar: o público não percebia as campanhas do Tinder como marketing tradicional, mas como algo espontâneo. Até porque, verdade seja dita, pouco era investido em paid media. Acredito que colocar um banner num site, que pisca em neon e que implora “descarrega” faz parte de um estilo de marketing ultrapassado.

Essa é a estratégia de quem comemora por ter campanhas de anúncios com taxas de cliques de 1-2%. E os outros 99%? Por que deveriam ser impactados pelo meu anúncio? Pense bem, pois seria a mesma coisa: quando foi a última vez que comemorou por ter fracassado 99% das vezes?

Percebi que, no Tinder, desenvolvemos uma nova forma de fazer marketing, que defini como “marketing invisível”. Parece um paradoxo, mas não é. Quanto mais ouvia alguém dizer que não tinha visto anúncio do Tinder, mais comemorava o sucesso!

O verdadeiro motor por trás disso foi o poder dos dados. Todos os dias a plataforma registava centenas de milhões de swipes e 26 milhões de matches. O Tinder chegou a saber mais sobre o comportamento das pessoas sobre relacionamentos do que a Fernanda Lima.

Existe uma enorme oportunidade de escalar o uso de dados nas mais variadas áreas do RH, desde o recrutamento e seleção, passando pela T&D e avaliação de colaboradores até chegar no endomarketing. Quando reflito sobre os desafios do RH, vejo a necessidade de incentivar uma transformação digital de mindset – quase que uma transformação cultural – no caminho para implementar o “marketing invisível” e uma revolução movida a dados.

Vamos combinar? Existe uma diferença enorme entre mandar um e-mail padronizado aos colaboradores e desenvolver um caminho personalizado para cada um deles e o seu papel na transformação digital. Os dados são a chave para isso.

Lançando os dados

São enormes os desafios para a implementação de uma cultura de dados no RH, não vou negar. Ainda se vê o digital como uma ameaça, que distancia pessoas em vez de aproximá-las, e o objetivo central do RH é, justamente, criar a sensação de proximidade e pertença. Também há pouca clareza sobre como obter esses dados, e como transformá-los em informações úteis que possam valer insights.

Há pessoas que, só de ler isso, têm vontade de chorar e não começar! E é isso que, muitas vezes, fazemos. Até porque se recolhemos dados demais, mais do que o nosso cérebro consegue absorver, temos o que o cientista de dados Ricardo Cappra chama de “infoxicação”. Um dos efeitos colaterais da intoxicação de informações é sentar, chorar e querer um chocolate em forma de coração como recompensa.

O excesso de dados também nos leva a uma redução dos nossos prazos de atenção. Um estudo de 2019 da Technical University of Denmark demonstra que o nosso prazo de atenção, individual e coletivo, diminui de forma inversamente proporcional ao aumento de dados e informações no mundo.

Entre os exemplos do estudo está o Twitter. Em 2013, uma trend mundial na rede durava cerca de 17 horas. Em 2016, essa média caiu para pouco mais que 11 horas. Leve essa variável para a sua rotina particular, com informações a bombardeá-lo o tempo todo, insights a aparecerem por todos os lados, e perceba que o seu prazo de atenção está realmente menor.

A consequência disso tudo, para as organizações, é que mensagens importantes disparadas pelos RH acabam por cair no limbo do desinteresse. É tanta informação que os colaboradores escolhem não dedicar atenção àquilo que os RH mandaram, mesmo porque muitos ainda vêem – ou são levados a ver – que a cultura da entrega ao cliente final é muito mais importante do que a cultura de propósitos no ambiente de trabalho.

Não é frustrante quando, como RH, desenhamos uma estratégia super interessante, investimos muito tempo e dinheiro nela, para poucos aderirem à iniciativa? É muito frustrante, também, o setor de RH não estar entre as prioridades dos colaboradores.

Dados e informações são os vilões da história?

Não, pelo contrário!

Assim como o Yin e o Yang, ou a moeda que tem uma dupla face, os dados podem ser, ao mesmo tempo, a nossa grande salvação ou a certeza de que a vaca vai para o seu lugar. Na maioria das vezes o saldo é bem positivo – a grande salvação – quando sabemos utilizá-los de forma inteligente.

Se bem posicionados dentro de estratégias, os dados levam-nos a uma comunicação interna mais assertiva, com entendimento de dores e fornecimento de soluções customizadas. Afinal, cada ser humano é único e precisa ser tratado como tal, não é?

Aí vem a dúvida: conseguimos fazer isso com a nossa equipa? Como podemos, em tempo real, saber o que está a acontecer com cada um dos nossos colaboradores? É impossível… a menos que contemos com a ajuda do digital.

Ou seja, enquanto o digital é frequentemente visto como uma ameaça, na realidade é um grande aliado. Vou lhe dar três razões para acreditar nisso:

Razão #1: aumento da frequência de pontos de contato

Pense bem: não conseguiria falar com todos os seus colaboradores constantemente. Mas um chatbot poderia, assim como pode fornecer insights interessantes sobre a realidade da equipa. Empresas de tecnologia em RH, como a Querlo, permitem ao setor uma comunicação constante e em tempo real com as suas equipas.

Razão #2: interações geram dados indispensáveis

Cada interação gera informações que podem servir para personalizar melhor a experiência do funcionário e estabelecer uma comunicação mais direta.

À medida que numa ferramenta de sentimento pede todo dia um registo de como os membros da equipa estão a sentir-se, a área de RH pode ter uma visão clara do sentimento coletivo. A Privalia é uma das organizações que utiliza esse tipo de ferramenta com grande eficácia.

Razão #3: espalhar a palavra

Uma vez que cada um de nós, incluindo colaboradores, somos criadores de conteúdo com os nossos smartphones e redes sociais, o digital é um ótimo aliado para amplificar a mensagem que os RH querem passar para dentro e para fora da empresa.

Já ouviu falar do termo “intra-influenciadores”? Recentemente tive uma conversa com as equipas de intra-influenciadores da GSK e percebi como essas pessoas se tornam grandes amplificadoras de iniciativas internas.

As vantagens de ser (um marketing) invisível.

Quando fazemos tudo isto, conseguimos passar mensagens muito mais poderosas, personalizadas e assertivas, absorvidas completamente pelas pessoas a quem são direcionadas. Lembra-se do conceito de marketing invisível? É isso que queremos replicar dentro da organização, e os RH são estratégicos justamente por essa razão: a bola está consigo!

Existem três grandes pilares para implementar e escalar o marketing invisível na sua organização.

#1 Relação

Por que a Disney recentemente tomou a decisão arriscada de tirar os seus conteúdos exclusivos da Netflix e lançou o Disney+? Para estar mais próximo do consumidor e ter os dados dele. Simples assim.

Dados são recursos valiosos para conhecer os nossos consumidores ou colaboradores. Consequentemente, temos que recolher o máximo para, em seguida, otimizar a experiência. Mas como recolhemos esses dados?

Vamos lembrar da grande vantagem do digital: permite-nos acompanhar uma jornada do cliente bem mais complexa e com mais frequência, que mistura online e off-line e começa bem antes da contratação do funcionário, terminando bem depois da sua saída da equipa.

Estudos mostram que, em média, hoje, a jornada de um cliente em qualquer transação passa através de, no mínimo, 20 canais: nós comparamos, comunicamos em múltiplas frentes, procuramos atendimento, recomendamos e assim por diante. Como acompanhar tal jornada sem a omnicanalidade que só o Digital nos proporciona?

Olhemos para o mercado de shopping center: com a crise da Covid-19, empresas como a Aliansce Sonae lançaram iniciativas de lockers, drive through e marketplace. Quanto mais iniciativas de ponto de contacto, mais dados.

Os dados recolhidos nessa fase relacional são fundamentais para otimizar a experiência, que é a segunda parte da teoria do Marketing invisível.

#2 Experiência

Imagine-se a viver num mundo onde cada interação humana é avaliada: dá uma nota e recebe outra a cada momento em que interage com alguém ou algum negócio. Se for educado, recebe 5 estrelas, mas se disser um palavrão recebe apenas uma. E, pior: todos têm acesso à sua nota, porque esta fica quase que tatuada na sua testa.

Sei que isso pode soar como um episódio de Black Mirror – e, na verdade, é (S01E03), veja quando puder –, mas não vejo muita diferença entre o que a ficção fala da realidade que vivemos hoje. Temos acesso infinito à informação e nos baseamos na economia da experiência. O Uber cresceu assim: o algoritmo te prioriza se você garantir uma boa experiência e colecionar avaliações positivas.

Para entender o porquê de a experiência ser tão importante, temos que levar em consideração que, hoje, o colaborador tem mais poder que antes. Assim como o cliente final, as equipas também têm mais acesso à informação, criam conteúdo (inclusive sobre a empresa) e têm custos de troca muito mais baixos: o mercado de trabalho é mais líquido, e qualquer pessoa pode deixar a nossa organização se não estiver 100% satisfeita.

Por isso temos que criar relações de experiência memoráveis com eles. Assim aumentamos a taxa de retenção de talentos para além do lado transacional, atitude fundamental para um negócio sustentável no longo prazo.

Aliás, vale lembrar que a melhor experiência do nosso colaborador, se visto como um cliente, molda a expectativa que tem na empresa: se tiver um super atendimento, por exemplo no Reclame Aqui, com transparência e facilidade, vai começar a exigir isso dentro da organização também. Somos todos consumidores, afinal, não é?

Quando conseguimos garantir uma experiência ótima estamos a um passo de desenvolver o terceiro grande pilar do Marketing Invisível: a amplificação.

#3 Amplificação

Porque é que o Starbucks tem 400 vezes mais conteúdo criado pelos seus clientes nas redes sociais do que o Dunkin Donuts, o seu principal concorrente? Um dos motivos principais é que o cliente vê o seu nome no copo. Simples assim. Desde sempre queremos ser tratados de forma única, e através do digital conseguimos a personalização em larga escala, e de forma muito rápida. Quando nos sentimos especiais, queremos “gritar ao mundo” como gostamos disso – ou, pelo menos, publicar a respeito disso nas nossas redes sociais.

O mesmo funciona para o colaborador: se os e-mails internos chegam padronizados e as mensagens não geram conexão, em breve os RH vão cair direto na caixa de spam, junto a todos aqueles retalhistas que mandam promoções da panela para quem odeia cozinhar.

Uma comunicação personalizada com “intra-influenciadores”, consegue amplificar a sua mensagem. Afinal, preferimos acompanhar as redes sociais de um colega, do que da empresa em si, não é?

Por último, para incentivar a criação de conteúdo e a sua partilha, que tal dar oportunidade ao colaborador de publicar a respeito do produto pelo qual trabalham, quando ganham da empresa a última versão atualizada? Marketing espontâneo, de novo; marketing invisível…

Assim que entrei na L’Oreal, a equipa de La Roche Posay deu-me de presente um kit gigante que dura até hoje. Publiquei na hora no meu LinkedIn. Bom, viralizou ao ponto que gerou mais reações do que as bloggers a quem eles pagavam. Fica a dica, equipa de marketing: todos os colaboradores adoram mimos!

Em conclusão, concordamos que precisamos de um novo modelo de RH mais movido a dados, mais personalizado e mais próximo! E se ainda acredita que o digital afasta em vez de aproximar, aconselho experimentar algo que sugeri acima para poder se surpreender. É um caminho sem volta de maior assertividade na comunicação, avaliação e, finalmente, satisfação dos colaboradores.

Artigo de Andrea Iorio, Autor – MIT Technology Review Brasil

Nossos tópicos